Letras Guardadas: PRÓLOGO

PRÓLOGO



— Tudo pronto?

Sebastian invadiu o quarto de Charlotte fazendo com que ela se sobressaltasse de susto. No momento seguinte ela se virou e o encarou de forma rude, fazendo com que ele levantasse as duas mãos num ato de paz.

— Qual é o seu problema? — piou ela, fazendo o máximo para não elevar a voz e chamar atenção. — Quantas vezes eu já falei para não entrar assim?

— Eu estou nervoso, okay? Dá um tempo!

Sebastian era o único amigo de Charlottle naquele lugar. Os outros? Bem os outros a tratavam com respeito por ela ser quem era. Por seu status. Sebastian a respeitava também, mas o que o diferenciava era o fato dele sempre falar a verdade na cara dela. Ele era um jovem alto e musculoso – devido ao seu esforço na academia. Seus cabelos castanhos claros e curtos sempre estavam uma bagunça, pois o mesmo não conseguia deixar os fios quietos nem um segundo. Suas feições estavam duras e suas grossas sobrancelhas estavam franzidas de preocupação. Charlotte sabia que seu amigo estava sofrendo e isso a matava.

Respirando fundo, ela apenas deixou de encará-lo com raiva e voltou sua atenção para a mala quase terminada. Não havia muitas roupas que ela queria levar. Quando tudo aquilo tivesse acabado, ela se preocuparia com essas coisas. Quando estivesse longe e livre, aí sim poderia se permitir ter uma vida normal, ou algo perto disso. Sebastian ainda estava atrás de si, porém o olhar dele estava voltado para a mala. Ao acabar de arrumá-la, ela fechou a mesma voltou a encará-lo. Os olhos dele ainda estavam focados na mala, porém seu olhar estava sem foco, como se estivesse com a mente longe. O seu coração se apertou um pouco mais ao vê-lo naquela situação.

— Você sabe que eu tenho que fazer isso, Sebastian. — Pousando a mão no rosto dele, ela o viu sair de seu transe e encará-la com o cenho franzido. Os olhos castanhos escuros a encaravam com atenção tentando achar algum traço de incerteza, ou medo. — Eu tenho que fazer isso. — frisou ela mais uma vez tentando fazê-lo entender.

Finalmente ele pareceu entender o que aquela frase significava e suspirou, lhe lançando um olhar de apreensão. 

— Promete que você vai manter contato comigo. — exigiu ele, colocando sua mão por cima da dela.

— É claro que sim. — ela sorriu carinhosamente, ignorando a ardência na garganta. Ela não iria chorar. — Por que você não vem também?

— Você sabe o porquê. — Com um sorriso curto, ele gentilmente retirou a mão dela de seu rosto. — Vamos. Está na hora.

Com cuidado, Sebastian pegou a mala de Charlotte e abriu a porta, olhando cuidadosamente para os dois lados do corredor. Estava tudo escuro e todos estavam dormindo. Andando rápido, porém com cautela, os dois desceram as escadas até chegarem na porta principal. Segurando o braço do amigo com uma força desnecessária, Charlottle olhava freneticamente para todos os lados, sentindo o peso da loucura que aquilo era, cair sobre si. Porém ela não desistiria. Não naquele dia. Ela mal percebeu quando chegaram a garagem e Sebastian jogou sua mala num carro que ela não fez questão de saber qual era. Apenas entrou com pressa no banco do motorista. Suas mãos apertaram o volante até os nós dos seus dedos ficarem brancos. Ao ver aquilo Sebastian suspirou um pouco mais calmo e tocou no ombro da amiga que tinha a respiração entrecortada. Ela o encarou com os olhos arregalados.

— Você precisa ficar calma pra conseguir fazer isso. — Sebastian a olhou com atenção, enquanto ela respirava fundo e fechava os olhos para acalmar-se. — Isso. Muito bem. — incentivou, ao ver que ela havia se acalmado mais. — Agora chegou a hora mais importante. Assim que eu deixá-los desacordados, vou fazer o sinal e você pisa fundo. — explicou ele a olhando com atenção. Charlotte apenas concordava, sentindo a tensão aparecer.

— Vem comigo?! — suplicou ela, o olhando preocupada. — Tenho medo de descobrirem que foi você. Se descobrirem... Eles... Eles...

— Ei! Ei! — se agachando ela segurou no rosto da amiga e sorriu. — Eu sei me virar, tá legal? Até parece que não me conhece. — ele riu baixinho e voltou a ficar de pé após ela ter concordado ainda relutante. — Pronta? — Charlotte concordou em silêncio. Ele assentiu e fechou a porta do carro, dando uma última olhada pra amiga antes de sumir na escuridão do enorme quintal da mansão. 

Ela encarou o vazio e respirou fundo. Estava preocupada com o amigo. Ela sabia que ele se fazia de durão para não preocupa-la, mas era impossível. Por um momento, ela se sentiu egoísta por fazer isso, mas logo essa ideia sumiu. Se ela era egoísta por decidir finalmente viver, então que fosse assim. Com paciência ela aguardou e então ela viu o sinal. Duas piscadas de lanternas seguidas. Era a hora. Sentindo a adrenalina começar a correr mais rápido pelas veias, Charlotte ligou o carro que não fez barulho nenhum. Contou até três e então saiu da garagem com tudo. Sebastian não estava mais a vista. Ele tinha que manter o disfarce. 

Não demorou muito para Sebastian observar o carro sair em disparada pelo enorme portão de ferro. Franzindo a testa, ele a observou se afastar cada vez mais e tentou ignorar a dor no peito que insistia em aparecer. Ele sabia que demoraria a entrar em contato. Talvez nunca mais falaria com ela. Mas mesmo assim ele sentia que foi a coisa certa a se fazer.

— Vá viver, minha amiga. — sussurrou ele, observando a escuridão a sua frente.

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