GEORGIA ESDEN
— Achei que teria que mandar a empregada lhe
chamar.
Respirando fundo, Georgia olhou para sua mãe
sentada na mesa, tomando um gole do seu chá. Doroth era uma mulher que exalava
poder e controle. Sempre impecável, ela exigia o mesmo da única filha, desde as
roupas até os horários. Tudo tinha que estar perfeito. Porém, nem sempre era
fácil agradá-la.
— A empregada tem nome, mãe. — retrucou a mais
nova, recebendo um olhar duro de sua mãe. — E eu só estava terminando de me
arrumar.
— Não interessa. — cortou com rispidez,
entretanto mantendo a classe e a voz num tom baixo, sem perder a elegância. —
Se o café da manha é às sete horas, você tem que estar sentada aqui às sete
horas.
— Eu não quero que isso se repita, Georgia.
Você entendeu? — o olhar que Doroth direcionou à sua filha foi gélido, fazendo
a menina assentir e sentar em silêncio.
Como se costume o seu pai não estava em casa.
Sempre saía cedo ou estava em viajem tornando assim a convivência entre eles
mais rara. Era nítido o desejo do Sr. Esden de ter um filho, um herdeiro. Não
que ele não gostasse de Georgia, ele gostava. O problema estava aí. Um pai
deveria amar os filhos e não gostar deles.
Sob o olhar analisador da mãe, a jovem iniciou
seu desjejum em silêncio, torcendo para sair dali logo antes que a mulher
iniciasse a tortura de detalhar as tarefas para cada segundo do dia. Como
sempre, o destino se virou contra ela, pois logo a mesma iniciou o seu
discurso incisivo. A todo o momento Georgia concordava com a cabeça, preferindo
agir desse jeito a contradizê-la.
— Como você está a frente da organização do
baile da escola, vou liberá-la da reunião que acontecerá aqui em casa hoje. — a
mais velha limpou os lábios delicadamente com o guardanapo e se levantou.
Georgia fez o mesmo, se sentindo um pouco mais aliviada. — Tenho que terminar
de organizar os preparativos. O motorista irá lhe levar para a escola. —
Georgia apenas concordou, pegando sua bolsa. — Outra coisa. Enquanto estiver
organizando esse baile, quero lembra-la de que você é uma Esden. Tudo que
fazemos é perfeito. Dê jus a seu sobrenome. — Sem sequer olhá-la novamente ou
se despedir, Doroth saiu de modo imponente deixando uma Georgia estressada para
trás.
Para ela ter esse sobrenome era uma maldição
da qual ela não pediu para participar. Estava cansada das cobranças, das
brigas, da indiferença dos pais, do desprezo e principalmente da falta de amor.
Ela tinha tudo que o dinheiro pode pagar, porém não tinha o amor de seus pais.
A pequena ida de carro não demorou muito e foi
feita em completo silêncio. Como sempre, o dia não havia começado bom e ainda
havia os preparativos do baile. Como sua mãe deixou claro, tudo teria que ser
exatamente perfeito para não deixar brechas pra críticas futuras. Tudo tem que estar perfeito, pensou ela após
descer do carro e encarar o colégio. Adotando sua postura defensiva, Georgia
ergueu a cabeça e caminhou decidida para dentro, ignorando os alunos ao seu
redor a que a olhavam em silêncio. Ali, naquele mundinho, no seu mundinho, ela
exercia o controle. Ninguém ousava contrariá-la, ou sequer dirigir a palavra à
ela sem permissão da mesma. Enquanto ela passava, os outros abriam espaço,
deixando-a a vontade para caminhar sem dificuldade. Em poucos minutos, ela já se
encontrava no ginásio – onde todos já estavam esperando.
Para que não a conhecia intimamente – ou seja,
ninguém – Georgia Esden era a personificação da palavra “controladora”. Ela não
admitia atrasos, desorganização, ou erros. Tudo tinha que sair do seu jeito,
caso contrario sofreriam consequências. No começo, ninguém acreditava nisso,
até que ela perdeu ponto num trabalho em dupla. A garota que foi seu par no
trabalho no outro dia não estava estudando mais lá. Desde então, todos não
ousam ir contra sua vontade, a tornando assim, uma das alunas mais odiadas. O
burburinho cessou assim que Georgia surgiu, deixando todos atentos e prontos
para qualquer ordem que a garota falasse.
Em silêncio, ela olhou para todos enquanto sua
assistente se aproximava. Ainda séria, ela analisou o papel que a menina lhe entregou e
finalmente voltou seu olhar para o grupo que estaria a ajudando com os
preparativos.
— Muito bem... — iniciou ela, sem sequer lhes
cumprimentar. — Eu vou precisar de dois garotos para a pintura do cenário junto com a
Clhoé e...
— Georgia Esden!
Ela estava terminando de falar quando a voz da
inspetora surgiu fazendo com que ela a olhasse com duvida. Mesmo contrariada,
ela caminhou até a mulher.
— Eu estou organizando as coisas por aqui. — informou,
chateada.
— Eu sei, mas a diretora exige sua presença
agora. — retrucou a mais velha, a olhando seriamente.
Confusa, a garota buscou em sua mente, algo
que desse motivo para ser chamada na diretoria, mas não conseguiu se lembrar de
nada. Por fim, rolando os olhos, ela caminhou até a sua assistente e mandou que
ela cuidasse de tudo.
Os corredores ainda estavam cheios de alunos
conversando. Um ou outro a olhavam com curiosidade, mas ela logo devolvia o olhar
com acidez, imitando sua mãe. Logo a porta da diretoria foi aberta e ela
entrou, estranhando a presença do homem sentado numa poltrona mais para o
canto. Algo nele não a deixou desviar o olhar. Ele era alto e sua pele pálida entrava em contraste com a espessa barba preta e cabelos medianos também da mesma cor. As sobrancelhas da garota
estavam franzidas e seus lábios comprimidos, demonstrando toda a tensão que ela
estava sentido. Não gostou do modo como ele a olhava. Era como se soubesse de
tudo que a garota passava e fazia questão de esconder.
— Senhorita Georgia.
— Sim diretora! — respondeu ela, no mesmo
instante, não deixando que arrumar seus cabelos num gesto nervoso. Pigarreando,
ela se esforçou para manter a tranquilidade na voz antes de prosseguir. — Algo
de errado?
— Não. Mas não vou lhe adiantar muito o assunto,
pois os outros ainda não chegaram.
— Os outros? Que outros? — Georgia cruzou os
braços, estranhando o mistério.
— Os outros alunos, senhorita. Agora sente-se
e espere. — exigiu a mulher, sem paciência.
— Isso é um absurdo! — ela descruzou os braços
e soltou uma risada sarcástica, tentando ignorar o olhar avaliador do homem. —
Como a senhora sabe, eu tenho um baile para organizar, diretora. A minha mãe
está sabendo disso?
— Eu sei muito bem disso, e esse assunto
também será falado após todos chegarem. E sua mãe não é a diretora dessa
instituição, eu sou. Agora, por favor. — a diretora a olhou com ironia e
indicou com o a mão o sofá no canto da sala.
Bufando, ela soltou um leve grunhido e
caminhou pisando duro até o sofá onde se sentou e cruzou os braços. Por fim,
teve coragem de olhar para o homem mais uma vez e fechou a cara. Não gostou dele
e não estava disposta a aturar nada que viesse dele, já que obviamente ele
estava envolvido nesse mistério todo. Caso contrário, ele nem estaria ali,
sentado, como se soubesse de sua vida.